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Por que precisamos falar de mudança e liderança adaptativa

por Patrizia Bittencourt

É certo que não podemos mais esperar pela estabilidade das coisas, a impermanência é o padrão. E não é de hoje. Desde sempre acontecem grandes transições tecno-econômicas, desde sempre manifestam-se grandes mudanças de consciência na humanidade.

Ocorre que essas transições apareciam muito mais devagar, em espaços de tempo muito, muito mais longos, 300, 200, 100 anos. Historicamente, vemos esse impacto de forma muito clara quando olhamos para os movimentos como o do Iluminismo, por exemplo, que se desenrolaram na passagem do século 17 ao século 18 e no seu horizonte. Os movimentos iluministas alteraram os padrões de mentalidade de uma época e de todas as gerações que vieram depois. Do obscurantismo ao Iluminismo, o choque foi radical impulsionado pelo sentimento de que não era mais possível suportar a imposição religiosa do Estado. Foi o que impulsionou a mudança política com a crítica ao poder absoluto; as mudanças na ciência elevaram a pesquisa científica ao patamar de alicerce do conhecimento; do mercantilismo ao capitalismo como modelo econômico… As mudanças nas Artes, para mim, são relevantes, elas espelham a Cultura universal que está por vir e que se internaliza na linguagem e na consciência das pessoas. Os ideais iluministas transformaram a forma como os críticos viam a arte e a Cultura. Eles passaram do julgamento a partir de crenças clássicas ao julgamento a partir da sensibilidade e do gosto, da apreensão e da experiência estética. Nesse momento começavam a serem descritos os preceitos de qualidade, beleza, cuidado, que nos influenciam até hoje. E a partir daí as teorias relacionadas às questões de apreciação, emoção, intuição, imaginação e percepção começaram a vir à tona cuja fonte eram, justamente, os preceitos da beleza e da estética.

Mas as mudanças hoje não são mais assim. Elas eclodem todos os dias. O habitual “nós sempre fizemos assim e isso não vai mudar” se torna um pensamento perigoso e arriscado em tempos de incerteza.

Outro dia vi dois dados que impressionam: pesquisas em microeconomia e comportamento organizacional da Case Western Reserve University mostram que a disrupção, acostumava acontecer a cada 70, 60, 50 anos, e hoje as organizações têm de revisitar os seus produtos e serviços a cada 10, 5 anos, dependendo do setor. Antes as organizações pensavam em se reinventar a cada 40, 30; hoje as pesquisas mostram que as empresas pensam em se reinventar a cada 3, 2 anos para sobreviver! E isso muda tudo.

Outro dado: há duas décadas, Nitin Nohria e Michael Beer (2000) observaram que nas organizações “cerca de 70% de todas as iniciativas de mudança falham”. Hoje, de acordo com a consultoria global Boston Consulting Group (2020), pioramos: “75% dos esforços de transformação não entregam os resultados esperados”.

Combinados, o que esses dados revelam? Sobretudo, que além da urgência da reinvenção para sobreviver ter se estreitado no tempo de forma surpreendente, nossas tentativas de mudar falham em bem, bem mais da metade das vezes…

Outro movimento importante: em consequência desta velocidade, complexidade e do aumento da instabilidade, há um novo paradigma de gestão surgindo, novas regras, novas formas para estarmos nas organizações e darmos mais sentido ao trabalho. E esse movimento, certamente, tem a ver com uma percepção de que para liderar efetivamente não basta mais, (como apregoava a gestão tradicional), olhar, diagnosticar e tomar ações sobre o sistema no qual operamos. É preciso, especialmente, diagnosticar, interpretar e agir em direção a nós mesmos. Para além do “o que está acontecendo aqui?”, perguntar-se: “o que está acontecendo comigo nesse contexto?”

A capacidade do líder de ir além do olhar para o sistema onde atua e, ao mesmo tempo, olhar para as suas próprias atitudes e comportamentos é, nesse tempo, essencial para que ele possa observar, interpretar e agir sobre grupos, organizações, comunidades. Considerando as circunstâncias, ter uma perspectiva simultânea sobre si mesmo e sobre o sistema parece estar, hoje, na fronteira do conhecimento e da prática da liderança. Essa é a mudança que estamos fazendo agora, todos os dias.

Essa fronteira do conhecimento e da prática da liderança está na mudança adaptativa e na liderança adaptativa. O professor e consultor Ronald Heifert fez um esforço para entender de forma prática a relação entre liderança, adaptação, sistemas e mudança. Ele desenvolveu um arcabouço conceitual e prático voltado à ideia de que para se desenvolver é necessário mudar, e para mudar temos de assumir a incerteza como parte importante da tomada de decisão, como parte da solução das nossas questões. Ele definiu a liderança adaptativa como “a prática de mobilizar as pessoas para lidar com problemas complexos e florescer”; uma prática para apoiar as pessoas a mudar e ajustar-se a situações novas. É adaptativa porque isso só é possível fazendo a leitura do contexto real, não ilusório buscando justificativas externas, mas do real que nos acontece, do que sentimos, interpretando idiossincrasias individuais e coletivas, criando sentido e linguagem sobre o que pretendemos fazer e agindo sobre o que é concreto. Adaptativa porque percebe o desequilíbrio como motor de avanço e de progresso, e não como disfunção. Adaptativa porque tem no aprendizado um aliado, inspirando as pessoas a abrirem mão de formas ultrapassadas de operar e de mudar. Adaptativa porque olha para a frente, apoiando as pessoas a internalizarem repertório, linguagem e novas competências e a desenvolverem a mentalidade de experimentação, com habilidades necessárias para ir a um outro nível.

Esse é o nosso papel. A regeneração dos nossos sistemas como um todo nos exige adaptação a um nível nível elevado e responsável.

Aqui na @cuidadoria estamos à serviço do que chamamos a liderança evolutiva. Estamos interessados em não apenas compreender, mas desenvolver as habilidades do líder que cria o futuro, que se adapta, que se desenvolve, que se reinventa e reinventa os seus contextos. Queremos vislumbrar quem é o líder que está nesta fronteira da liderança adaptativa. Eu percebo que falamos de liderança evolutiva olhando para o indivíduo, ele evolui na sua consciência e visão. E a forma dele atuar é impregnada de adaptação e amor à incerteza, ele atua na liderança adaptativa.

Então, como parar de subestimar o que nos acontece internamente?

Como valorizar e liderar a partir do que sentimos nos nossos contextos?

Do que eu preciso para ter uma visão ampliada do contexto e ter perspectiva mais estratégica sobre as circunstâncias e fatos?

Vamos falar mais de mudança adaptativa?

Líderes evolutivos, vamos construir juntos uma liderança adaptativa?

Por que precisamos falar de mudança e liderança adaptativa