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O Manifesto da Economia do Cuidar

Por: Thianne Martins

"Quanto mais tech nos tornamos, mais touch precisamos ser." Carlos Piazza

Estamos vivendo a maior transição da humanidade!

Em um mundo em rede, somos colocados diante de um paradigma em que a tecnologia torna-se plataforma para soluções que vão muito além dos processos que conhecíamos e desenvolvemos por séculos.

A linearidade praticamente deixou de existir e, com isso, somos capazes de criar conexões e interações em quantidade e velocidade exponenciais!

Porém, este novo contexto de mundo requer também um novo ser humano, alguém capaz de enxergar a complexidade e de pensar e agir de forma sistêmica, a partir da compreensão de que cada ação pode ter influência e alcance inimagináveis.

Essa visão cosmocêntrica traz também a percepção do quanto somos capazes de interferir nos sistemas vivos e com ela um senso ampliado de nossa responsabilidade.

A cada decisão, somos agentes de transformação.

Além disso, momentos de transição são momentos de adaptação: aprender, desaprender e reaprender o tempo todo. Como você aprende? O que você precisa deixar ir? Existe espaço para o novo em sua vida?

Sabemos que a tecnologia tem e terá um papel cada vez mais relevante em nosso mundo. Com cada vez mais atividades sendo desempenhadas por inteligências artificiais, surge a pergunta: qual será o espaço, a função, a contribuição do ser humano daqui pra frente?

Talvez a resposta esteja contida na pergunta: ser humano.

E o que é ser humano em um mundo que precisa tanto, urgentemente, se regenerar? De sistemas naturais a relações conosco mesmos e com os outros, por onde quer que olhemos, a regeneração é necessária.

Há 3 atitudes básicas e essenciais para acionarmos uma nova dinâmica, que nutra nossa humanidade individual e nossa humanidade compartilhada e que nos leve a melhores ações coletivas: confiar, colaborar e cuidar.

Confiar significa ‘fiar junto’, tecer uma rede de relações pautadas em valores compartilhados, que promovam e sustentem a vida em todas as suas dimensões: a vida humana e de todos os seres. A natureza atua em total confiança, cada elemento, cada ser sabe seu papel e entrega o seu melhor para o benefício do sistema como um todo. Uma grande organização em rede, que agora começamos a mimetizar no mundo dos negócios, com cada vez  mais empresas e iniciativas em que não existem controles de como, quando ou de onde as pessoas trabalham, mas com uma gestão baseada na comunicação clara sobre papéis e entregas, impulsionando a autonomia e combinando liberdade com responsabilidade. Ao invés de organogramas e hierarquias rígidas, o investimento de energia e tempo é para criar o ambiente propício para que a confiança floresça, em que as pessoas sintam-se livres para trazer sua humanidade para a mesa de reuniões, trazendo junto toda a sua criatividade, motivação e excelência.

Confiar também envolve a reflexão ética. Se queremos relações que nos façam florescer, como podemos, por exemplo, utilizar a tecnologia para nos relacionarmos a partir de um olhar cuidadoso com o outro: da comunicação ao uso de dados, como viver com confiança?

Colaborar é uma forma de trabalhar que coloca as pessoas juntas para gerar novas ideias, encontrar soluções, resolver problemas, ou seja, membros cooperando para atingir um objetivo mútuo. Por definição parece fácil, mas não é.

Colaborar é uma tecnologia social. Talvez a tecnologia mais complexa que exista, pois envolve o encontro de diferentes pessoas, de diferentes universos individuais, com diferentes linguagens, crenças, experiências, formas de fazer. Aí reside o desafio e também todo o potencial da colaboração.

Em um mundo complexo, uma coisa é certa: ninguém faz nada sozinho. Sendo assim, aprender e aplicar a tecnologia da colaboração é essencial para criar o futuro que desejamos (e que precisamos). A colaboração se baseia em um ambiente propício no qual as pessoas podem exercer suas habilidades socioemocionais para pensar, criar, executar e celebrar juntas. A colaboração, cujo princípio é o poder com o outro (e não sobre o outro), depende de capacidades individuais e coletivas para perceber o contexto de forma ao mesmo tempo ampla e profunda e responder a ele com ações coordenadas, contínuas, sustentadas e com resultados consistentes no tempo.

A verdadeira colaboração fortalece vínculos, traz clareza da contribuição individual e do resultado coletivo, cria ciclos sem desperdícios de recursos - dinheiro, tempo, conhecimento, recursos materiais e ambientais - reforça a identidade do grupo e aproveita o melhor da diversidade.

Colaborar envolve liderança, mas não uma liderança que decide e delega, mas lideranças facilitadoras, que oferecem as estruturas e dinâmicas para que a melhor contribuição individual aconteça e as relações se fortaleçam em direção à criação de um futuro realmente desejável.

Quer aprender a melhor tecnologia de todos os tempos? Aprenda a colaborar.

Cuidar vem do latim ‘coera’ e significa curar. E está na base de todo o restante. Mais especificamente, cuidar significa curar a partir das relações. Aquele que cuida também cura. O olhar de quem cuida enxerga a cura acontecendo e se dispõe a uma escuta profunda do outro e do ambiente. Disponibiliza não só seu tempo para cuidar de si e do outro, mas sua inteligência, seu coração e suas mãos.

O verdadeiro cuidador sabe que somente a inteligência racional não é suficiente, que é preciso incluir emoções, intuições, sentidos... entende também que cuidar envolve diferentes dimensões:

  • Cuidar do físico (do corpo e do meio ambiente):
  • Cuidar da mente;
  • Cuidar do que você realmente deseja;
  • Cuidar do outro. 

Uma nova economia -  A Economia do Cuidar

Na origem, a palavra economia significa ‘administrar a casa’. No passado, essa ideia estava restrita a cuidar de nossas casas e famílias, porém hoje sabemos que a casa que temos que cuidar não se restringe mais ao espaço onde vivemos, mas pode abranger o planeta como um todo.

A economia do cuidar abandona a lógica de que prosperidade significa consumo e acúmulo de riquezas e se baseia em encontrar as bases do bem-estar duradouro.

Nesta perspectiva, as pessoas são prósperas quando a VIDA como um todo prospera. Este sentimento não se restringe principalmente à gratificação das necessidades e desejos. Ela surge das relações, do senso de pertencimento, da compaixão e da colaboração para um propósito que promova a prosperidade.

Na sua vida, no seu trabalho, na sua organização, como o cuidar se expressa? Observe. Escute. Converse com as pessoas. Perceba o que você sente.

Qual é o futuro que você deseja ver acontecer? Saiba que o futuro é criado no presente, no agora. Neste exato momento, você está indo em direção a um futuro realmente desejável?

Você cuida de quê?

 

Um manifesto pode ser muito inspirador, mas para além da inspiração, pergunte-se: como fazer isso tudo acontecer?

Se você quer se aprofundar em formas práticas de trazer a economia do cuidar para sua vida, seu trabalho, sua organização, aí vão algumas referências:

  • Reinventando as Organizações - Frederic Laloux;
  • Economia Donut - Kate Raworth;
  • The Art of Gathering - Pryia Parker;
  • Muitas Vozes, Uma Canção - Autogestão por Meio da Sociocracia - Ted J.  Rau e Jerry Koch-Gonzalez;
  • Liderança Regenerativa - Giles Hutchins  e Laura Storm;
  • Design de Culturas Regenerativas - Daniel Wahl;
  • Esperança Ativa - Joanna Macy e Chris Johnstone;
  • Felicidade Genuína - B. Alan Wallace;
  • Caring Economics - Conversations on Altruism and Compassion Between Scientists, Economists and The Dalai Lama - edited by Tania Singer and Matthieu Ricard.