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O Tao do Propósito Evolutivo

Por Henrique Katahira

Dentro do tema das Organizações Evolutivas-Teal descritas no livro “Reinventando as Organizações” de Frederic Laloux, é muito comum encontrar artigos e práticas sobre Integralidade e Autogestão pois são mais óbvios e tangíveis que o Propósito Evolutivo. Posso elencar uma dúzia de práticas para trazer o ser humano integral para dentro das organizações ou implementar estruturas, processos e sistemas de autogestão como Holacracia, mas desenvolver práticas para nutrir o Propósito Evolutivo da organização não é tão óbvio quanto as áreas anteriores. Se é desafiador descobrirmos qual o nosso propósito individual e viver dele, imagine para uma organização complexa formada por vários indivíduos?

“Organizações Teal são identificadas por terem vida e senso de direção próprios. Em vez de tentar prever e controlar o futuro, os membros dessas organizações são convidados a escutar e compreender o que a organização quer se tornar e qual propósito ela quer servir” — Frederic Laloux

O propósito evolutivo pode ser entendido como uma evolução do planejamento estratégico. No mundo complexo que vivemos hoje, as mudanças ocorrem tão rápido que planejamentos rígidos de 5 e 10 anos definidos pela alta diretoria, cascateados de cima para baixo deixam de fazer sentido no contexto onde uma nova tecnologia ou uma nova startup pode levá-lo rapidamente por água abaixo. Modelos do século XX baseados em previsão-e-controle, orçamentos rígidos e metas deixam de fazer sentido no mundo complexo em que vivemos hoje. Precisamos de modelos mais ágeis que podem responder à complexidade e se adaptar rapidamente às mudanças. Se a fórmula que conhecemos hoje não funciona, por onde começar?

O primeiro passo é resgatar o propósito original da organização. Todo fundador criou sua organização para exercer uma função social, seja uma padaria ou um fabricante de automóveis. Ninguém acorda de manhã e abre uma empresa com o sonho de maximizar o lucro dos acionistas. Algumas perguntas-chave para abrir esta discussão são: Qual a razão social da minha organização? Qual era sonho do fundador quando ele investiu seu tempo e dinheiro para criar esta organização? Quais são os valores que prezamos? Como atualizar o propósito original no contexto de hoje e com as pessoas que nela estão agora?

Continuamos a reflexão com seguinte pergunta: “O que o mundo pede da minha organização?”. Para respondermos esta pergunta, temos que entender a organização como um sistema vivo que percebe e responde aos estímulos externos e internos. Qual é o lugar da minha organização dentro do ecossistema de stakeholders onde ela está inserida? E qual a sua função? Se ela fosse uma pessoa, qual seria sua vocação? Quais são os recursos disponíveis? Como criar dispositivos para perceber as melhores possibilidades de gerar relações de ganha-ganha-ganha (bom para a organização, bom para os stakeholders e bom para o planeta)?

Perceber-e-responder parece ser a chave de sucesso para esse processo. Em nível organizacional, temos que criar membranas permeáveis que trocam informações com clientes, fornecedores, parceiros, comunidades do entorno, governos, etc. Estas membranas precisam estar consciente dos elos de interdependência entre eles e estar em constante comunicação para provocar as respostas necessárias aos estímulos percebidos, tomando decisões que vão ajudar a organização a cumprir com seu propósito evolutivo, recalculando a rota quando necessário. Quanto mais interação, mais informação fluirá, gerando respostas adequadas e criando um circuito contínuo de feedback.

Em nível individual, cada membro deve funcionar também como órgãos sensoriais que percebem e trocam informações dentro e fora da organização e dentro e fora de si (auto-reflexão). Para aprimorar a capacidade de percepção, existem duas práticas-chave: práticas contemplativas (meditação, mindfulness, observação da natureza, etc.) e autoconhecimento. As práticas contemplativas ajudam a melhorar a capacidade de percepção, atenção e presença. Já o autoconhecimento, ajuda e reconhecer melhor nossos talentos, motivações internas, propósito individual e nossa capacidade de resposta aos estímulos externos. Quanto mais sabemos sobre nós mesmos, mais alinhados com o propósito individual estaremos e maior será a nossa contribuição para o propósito da organização. E quanto mais pessoas alinhadas com seus propósitos individuais, maior a chance da organização cumprir seu propósito evolutivo.

O propósito evolutivo deve ser visto não como um lugar se chegar mas o caminho em si. Por isso o “Tao” (caminho em chinês) do título. Na filosofia tradicional chinesa, Tao é o conhecimento intuitivo que não pode ser aprendido completamente como um conceito, mas pode ser conhecido através da experiência real. Por isso existem tão poucos artigos e práticas sobre o propósito evolutivo. Apesar do conceito parecer simples, deve ser vivenciado para compreendê-lo. A perfeição chegará quando o propósito for tão vivo que não será mais necessário fazer perguntas e ele se manifestará sem esforço como um rio que segue sem preocupações para o vasto e tranquilo oceano.

 

Na busca do conhecimento, todos os dias algo é adquirido,
Na busca do tao, todos os dias algo é deixado para trás.
E cada vez menos é feito
até se atingir a perfeita não-ação.
Quando nada é feito, nada fica por fazer.
Domina-se o mundo deixando as coisas seguirem o seu curso.
E não interferindo.

 

Tao Te Ching