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O que sustenta a transformação?

Por Thianne Martins

“O caminho da transformação cultural é feito com a mente aberta e disposição de aprender um com o outro, com nossos erros e com a comunidade da vida.” Daniel Wahl

Transformações são inerentes à vida. Parte da natureza. Porém, quando me vejo pensando em evolução a sensação é de que o ritmo de mudança acontece de forma muito lenta, ao longo de séculos, milênios, eras geológicas.

Como humanos, construímos para nós formas de viver muito diferentes do ritmo de outras formas de vida e uma aceleração desconhecida até mesmo de uma ou duas gerações anteriores à nossa.

De qualquer maneira, rápido ou devagar, vivemos um momento de mundo em que sabemos da urgente necessidade de mudanças para garantirmos até mesmo a perenidade da nossa própria espécie e, com esperança, resgatar o equilíbrio ecológico de nosso planetinha.

Mas sabemos que mudar não é fácil. Se você já teve dificuldade de mudar seus próprios hábitos ou coisas ainda menores, em nosso cenário atual, o que precisamos aprender e mudar é de uma dimensão coletiva, que vai da minha comunidade até o resto do mundo.

Pensar nisso pode trazer uma sensação de desânimo ou impossibilidade, mas sabemos que as coisas acontecem. Os fenômenos sociais, tecnológicos e ecológicos que presenciamos hoje são o acúmulo de aprendizados, mudança e evolução ao longo de muito tempo.

Mas se, como indivíduos, muitos de nós não conseguimos sequer ter disciplina para ir 3 vezes por semana à academia, como tornar possíveis transformações coletivas, que precisam ser sustentadas no longo prazo e que tornam totalmente diferentes nossa forma de nos relacionarmos com o mundo? Sabemos que não é mais possível consumir tanto, sabemos que precisamos deixar de usar plásticos descartáveis, que talvez devêssemos comer menos carne e que nossa economia deixe de produzir lixo. Sabemos que as empresas e políticas precisam mudar genuinamente, pelo bem da vida.

A principal inspiração para esse texto vem de Daniel Wahl, autor do livro Design de Culturas Regenerativas.

O que sustenta a transformação?

Uma pergunta poderosa, que não tem respostas fáceis mas, garanto, abre um universo de possibilidades e esperança.

Você quer (de verdade) se transformar e ver transformações benéficas e positivas para nosso planeta e todos os seres?

Aí vão alguns tópicos que podem nos ajudar, ou ao menos trazer alguma luz nesse caminho de transformação genuíno e tão necessário.

Observar as causas subjacentes aos sintomas

Em uma sociedade que funciona na velocidade dos posts do Instagram e que não vai mais fundo do que 5 dicas para resolver qualquer coisa, vivemos tentando nos medicar para acabar com os sintomas dos problemas, aquilo que é aparente e óbvio.

Esse foco nos sintomas é, inclusive, causa do agravamento de diversos problemas, de uso excessivo de medicamentos ao asfalto mal feito nas ruas e que precisa de ter os buracos tampados todo ano, de questões familiares a questões ecológicas globais.

Quando olhamos somente a parte do iceberg que está acima da água, estamos deixando de olhar tudo que está embaixo e que, em geral, representa a maior porção do iceberg. A simples questão das ruas mal asfaltadas, por exemplo, quando mergulhamos abaixo da linha d’água, veremos que o iceberg envolve decisões baseadas em interesses como eleições, ganhos ilícitos, superfaturamento, contratação de amigos e parentes e muito mais… toda uma cultura de corrupção pode estar por baixo da simples decisão pelo asfalto ruim (apesar de mais caro) e que vai gerar retrabalho (e mais ganho ilícito) ano após ano. Sem falar em todo o prejuízo social e ambiental da urbanização mal planejada que pode, em certos locais, levar até mesmo ao aumento do índice de criminalidade, entre outros problemas.

Neste exemplo, admitir e olhar com verdade para a realidade da cultura de corrupção e seus efeitos sistêmicos é o primeiro passo para que sejam criados mecanismos para que essa cultura mude.

Nas transformações que você deseja para sua vida e para o seu mundo, o que você está deixando de olhar com verdade? Seja brutalmente honesto.

Tomar consciência dos padrões que sustentamos

Somos incrivelmente capazes de sonhar e planejar o futuro ideal, mas se simplesmente olharmos para o nosso presente e para os padrões que sustentamos, de rotinas a pensamentos recorrentes, de como nos cuidamos à forma como consumimos, fica fácil fácil prever nosso futuro.

Quando olhamos para os padrões que sustentamos, será mesmo que eles nos levarão ao futuro que tanto desejamos?

Segundo Daniel Wahl, podemos obter evidências de futuro a partir de como as pessoas estão se comportando agora.

Sabemos também que nossos padrões individuais e familiares são somente uma parte dos padrões coletivos, sociais e que deflagram efeitos sistêmicos que podem ser extremamente danosos ao planeta.

Que padrões você vem sustentando e que são evidências de um futuro que você não quer? Faça a sua lista com sinceridade e não se justifique dizendo que todo mundo ao seu redor faz a mesma coisa. Reconhecer padrões negativos pode ser libertador.

Conscientizar-se de que o que acontece individualmente também acontece coletivamente

Especialmente nos momentos em que nos vemos imersos em problemas e questionamentos, sejam eles pessoais ou coletivos, dependendo do grau de envolvimento emocional com a questão, é muito comum perdermos a perspectiva de que somos parte da humanidade e, com isso, nos perdermos também do senso de que o que nos acontece está acontecendo com outras pessoas e comunidades. A conscientização de que somos parte de um sistema maior não serve apenas para diminuir nossa solidão (o que sem dúvida já é algo importante), mas nos abre a oportunidade de buscarmos soluções em nossas redes de contato, descobrir novas boas práticas que podem tornar nossas vidas mais sustentáveis, angariar conhecimentos.

Para além disso, sabemos que mesmo em nossa pequena comunidade, situações que vivenciamos também podem estar sendo vividas em algum nível por outras pessoas. Podemos tanto ajudar como buscar ajuda. Trocar informações e boas práticas em comunidade pode criar caminhos coletivos de regeneração.

Se você vive em um determinado local, procure conectar-se profundamente com ele, compreender sua história, quem são as pessoas que vieram antes de você, que conhecimentos ancestrais existem, quais são os padrões climáticos, que tipos de alimento a natureza do local oferece… envolva-se, seja parte.

Na comunidade onde eu vivo, por exemplo, moramos em um conjunto de terrenos com aspecto rural. São várias casas com seus espaços verdes, hortas, uma lagoa. Os vizinhos acabam tendo certa facilidade de se conectarem pois não há muros e os terrenos são integrados. Com essa configuração fica mais fácil perceber que o que acontece comigo também acontece com outros e há muita circulação de informação, gerando ajudas que vão de caronas e compras coletivas a sessões de terapia e comidinhas. Assim também fica fácil trocarmos ideias para sermos mais sustentáveis e usarmos melhor nossos recursos compartilhados.

Sei que nem sempre é assim, mas confie no poder da conexão com outras pessoas. Às vezes uma simples conversa pode te surpreender.

Como você tem se relacionado com sua vizinhança, sua pequena comunidade, com a natureza ao seu entorno? Como essas relações podem contribuir para o seu futuro desejado?

Diferenciar mudanças incrementais de transformações reais

Mudanças incrementais podem até gerar melhorias momentâneas, porém, elas mantém o status quo, a mentalidade já existente. Assim, ao tomar suas decisões a respeito de que ações você pode fazer para que seu sonho de futuro aconteça, decida por aquelas que de alguma maneira mexam nas bases do iceberg e que possa criar transformações reais.

No entanto, lembre-se de também de escolher ações que sejam possíveis de serem realizadas, que sejam acessíveis à sua realidade e que vão formando um conjunto de interações que te direcionam ao seu futuro desejado.

Quando você pensa nos padrões que quer deixar ir, que pequenas mudanças você pode fazer agora que te direcionarão ao seu futuro desejável?

Aprender a colaborar

Transformação é um processo coletivo, sempre. Mesmo os seus hábitos individuais de consumo podem ser mudados mais facilmente se você encontrar pessoas que estão na mesma jornada. Viver as questões juntos, como participantes conscientes das etapas de transição pelas quais passamos para criar uma transformação real.

Aprender a colaborar talvez seja um dos passos mais importantes para criar transformações. Colaboração cria força de ação e pessoas que se envolvem em um sonho coletivo tornam esse sonho parte da sua própria vida, se engajam mais e ajudam o mundo a mudar.

Que pessoas, grupos e comunidades podem te oferecer o suporte para impulsionar as mudanças que você quer ver no mundo?

Aprender constantemente

A abertura ao aprendizado é base, pois à medida que chegamos ao nosso horizonte desejado, ele se torna o novo presente e trará também novos desafios e necessidades de mudança, pois vivemos em um mundo totalmente conectado, que se movimenta e muda conforme interagimos com ele.

Qual foi a última vez que você aprendeu algo novo?

Presença

Mover-se em direção ao nosso futuro desejado implica sempre em reconhecer nosso “não saber”. A mentalidade de aprendiz nos deixa prontos para aprendermos com as experiências, nos ajuda a suspender julgamentos e realmente nos conectarmos com as pessoas e situações, criando a possibilidade da empatia e de conversas mais profundas, que direcionem para resultados que importam.

Treinar a presença também nos estimula a manter a humildade, a gerenciar nossa energia ao saber que nenhuma solução é definitiva e nos mantém abertos a reconhecer novas perspectivas.

A mente de principiante, o olhar curioso e infantil são fundamentais para flexibilizarmos nossas opiniões e crenças cristalizadas ao longo de anos. Brincar, meditar, dançar, estar em ambientes e com pessoas novas pode ajudar nesse caminho.

Qual foi a última vez que você realmente se soltou?

Olhar evolucionário e não revolucionário

Criar o futuro desejável enquanto vivemos a nossa realidade e não criar uma quebra (revolução) que possa influenciar negativamente em sistemas importantes de sustentação da vida. Sustentar a transformação envolve observar o que há de bom em nosso momento atual e honrar os processos do passado que nos trouxeram até aqui. É um processo evolutivo.

Sustentar a transformação também envolve observar o que há de bom em nosso momento atual e honrar os processos do passado que nos trouxeram até aqui, pois eles criaram o aprendizado e a visão das necessidades de mudança que estão emergindo agora. É um processo evolutivo.

Saber que teremos que lidar com o inevitável e com o imprevisível e aceitar isso como parte do processo de aprendizagem.

Que recursos internos você tem e que podem te ajudar e ajudar o seu entorno no processo de transformação? Como você pretende compartilhar isso?

A transformação é um processo contínuo de aprendizagem coletiva

A transformação cultural, também chamada de mudança de mindset, talvez seja a mais delicada a ser feita e por isso, uma dedicação especial aos experimentos, a abrir espaço para conversas sobre o novo e refletir para verificar e integrar os aprendizados é fundamental.

Se isso é feito coletivamente, esse processo torna-se extremamente poderoso! Esse é um dos motivos pelos quais é importante buscarmos comunidades e grupos de pessoas com interesse e desejo de transformação individual e coletiva, pelo bem de nosso planeta, de nós mesmos e de nossas relações.

Na @cuidadoria, há mais ou menos 4 anos iniciamos a prototipação de uma comunidade online de práticas e aprendizagem para quem quer (de verdade) viver de um jeito significativo, equilibrado e humano e contribuir com a regeneração de nosso planeta e das nossas relações. Viemos nutrindo esse protótipo de várias maneiras, experimentando diferentes plataformas, formas de nos reunirmos, temas para conversas. A comunidade começou e parou por umas duas ou três vezes, porém todo esse processo nos ensinou muito.

Hoje, a comunidade cuidadoria é um espaço online onde cultivamos o autoconhecimento, a atenção plena, conversas que realmente importam, práticas de escuta... Transitamos por vários de temas: novas economias, futurismo, regeneração, autocompaixão, reinvenção do trabalho, Comunicação não-violenta, Teoria U. Trazemos pessoas para compartilhar suas experiências, meditamos juntos semanalmente, abrimos espaços de partilha, estudamos livros, celebramos!

Hoje somos uma centena de participantes e esse número vem aumentando quase todos os dias e acreditamos que a estrutura que existe hoje em nossa comunidade só é possível porque persistimos em experimentar, prototipar, errar, acertar, pedir feedbacks, incluir as pessoas… e continuamos fazendo isso.

Sabemos que conversas que importam tornam o futuro algo mais inclusivo e participativo. E esse é um dos nossos futuros desejados.

“A verdadeira inovação ocorre quando as coisas que vinham sendo separadas são reunidas” Arthur Koestler e John Smythies (1969)

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Quer conhecer mais sobre a cuidadoria e juntar-se à nossa comunidade?! Tem todas as informações aqui: www.cuidadoria.com/comunidade