Novo ano. 2020. Começamos a olhar adiante após um 2019 de grandes desafios, de uma efervescência de novidades e informações, dias em que navegamos entre fake news, crise ambiental, sentimentos recorrentes de não saber em meio a tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo e, é claro, alegrias, trabalho, realizações... De alguma maneira, o final do ano nos traz a sensação de um novo ar, de um certo descanso para recomeçar.
Recomeçam nossos trabalhos e, especialmente no mundo profissional, uma das palavras muito faladas em 2019 foi "propósito". Sim, sabemos que muitas vezes esta palavra é confundida, que as pessoas falam tanto que parece ter virado moda, tudo isso. Mas, saindo deste lugar comum, se pensar em um propósito foi algo tão falado, é porque de alguma maneira isso ressoa nas pessoas e talvez porque de fato exista um sentimento de que é necessário darmos algum significado ao nosso tempo aqui na Terra. E especialmente no trabalho, dar um propósito as nossas realizações pode nos fazer sentir melhores.
Mas o que quero trazer aqui tem a ver com a observação de que a forma como nos relacionamos com nossa existência vem mudando radicalmente e a busca de significado, especialmente o significado que vem das experiências, é algo que se destaca em nossa sociedade e no mundo do trabalho.
O historiador Yuval Harari em seu livro "Homo Deus - Uma breve história do amanhã", traça um raciocínio a respeito de como os pressupostos na busca do conhecimento foram mudando ao longo do tempo, desde a Europa medieval. Nessa época, entendia-se que o conhecimento podia ser explicado com a seguinte fórmula:
Conhecimento = Escrituras X Lógica
Isso quer dizer que, para se obter as respostas as nossas questões, deveríamos ler as escrituras sagradas e pensar sobre elas utilizando a lógica e, com isso, obter a compreensão. Ele cita o seguinte exemplo: "(...) estudiosos que quisessem saber qual era o formato da Terra percorreriam a Bíblia em busca de referências relevantes. Um ressaltaria que em Jó 38,13 está dito que Deus poderia 'agarrar as beiradas da Terra e os iníquos seriam dela sacudidos'. Isso implica - racionaliza o sábio - que, como a Terra tem 'beiradas' que podemos 'agarrar', ela deve ser um quadrado plano. Outro sábio rechaça essa interpretação, chamando a atenção para Isaías 40,22, onde se diz que Deus 'senta-se no trono acima do círculo da Terra'. Não é prova de que a Terra é redonda? Na prática, isso quer dizer que os sábios buscavam o conhecimento passando anos em escolas e bibliotecas, lendo cada vez mais textos e aguçando sua lógica para que pudessem entender corretamente o que liam."
Mais adiante, a Revolução Científica traz uma nova fórmula:
Conhecimento = Dados empíricos X Matemática
A partir dessa fórmula, para respondermos nossas questões, reunimos uma grande quantidade de dados relevantes e utilizamos ferramentas matemáticas para analisá-los. Assim, no exemplo da questão sobre o formato da Terra, colheríamos uma diversidade de observações empíricas e nos utilizaríamos então da trigonometria para calcular e comprovar o formato de nosso planeta.
No entanto, algo que o conhecimento científico não abarca tem a ver com os juízos éticos. Questões como "é certo roubar e matar?" não são respondidas pela fórmula da Revolução Científica. No entanto, as escrituras trazem muitos dos esclarecimentos de que nos utilizamos ainda hoje para obter essas respostas.
Porém, ao continuarmos caminhando por nossa própria história é perceptível a tentativa de endereçarmos questões práticas com a fórmula científica e questões éticas com a fórmula das escrituras / lógica. De alguma forma, esta visão traz muitos dos embates entre ciência e religião e também uma conversa entre ambas, afinal as diferentes visões precisam uma da outra.
Mas, seguindo um pouco mais, vemos que em muitos casos algo mais amplo é necessário, algo que ultrapasse o "ou" e que possa ser um "e".
Em nossos tempos atuais, em que nós humanos adquirimos mais e mais confiança em nós mesmos e em nossas possibilidades, "uma nova fórmula para alcançar um conhecimento ético" se revela:
Conhecimento = Experiências X Sensibilidade
Este novo olhar explica muito do que vivemos e de como nos comportamos em nossas buscas de respostas atualmente. As experiências são, segundo Harari, um fenômeno subjetivo que inclui três ingredientes principais: sensações, emoções e pensamentos. Ou seja, a partir do momento em que o ser humano passa a trabalhar suas questões a partir da experiência, ele parte para o seu mundo interno, para compreender o que lhe acontece com seus recursos e repertório de de sensações, emoções e pensamentos.
E, para que seja possível compreender corretamente nossas experiências, é preciso o desenvolvimento da sensibilidade. Esta envolve, primeiramente, prestar atenção a experiência (sensações, emoções e pensamentos). Em segundo lugar, permitir que a experiência exerça uma influência sobre mim, ou seja, estar aberto para que a experiência mude algo em mim. E quanto mais experiencio situações, pensamentos, sensações, emoções novas, mais sensibilidade desenvolvo.
Assim, o conhecimento acontece na prática, com um ciclo que se nutre de forma interminável.
Por isso, quando falamos em propósito, algo liga uma chave em muitos de nós, pois a partir da experiência e do desenvolvimento da sensibilidade nossa vida vai ganhando significado.
Yuval vai muito mais fundo, fazendo correlações tanto positivas quanto grandes alertas, especialmente do quanto estamos preparados em termos de autoconhecimento para lidar e responder a essas experiências, o quanto acabamos buscando por tornar experiências algo como um entretenimento ou algo mercantilizado e que acaba nos levando a um caminho superficial e hedônico e não nos ajuda a desenvolver nossa sensibilidade e percepção.
Um trecho marcante diz o seguinte: "Não nascemos com uma consciência sob medida e pronta para ser usada. No decurso da vida, magoamos pessoas e pessoas nos magoam, agimos compassivamente e outros demonstram compaixão para conosco. Se prestarmos atenção, nossa sensibilidade moral se aguçará, e essas experiências podem se tornar uma fonte de valioso conhecimento ético sobre o que é bom, sobre o que é correto e sobre quem realmente sou."
Vale lembrar que as palavras de Yuval são as palavras de um observador, que praticamente não coloca juízo de valor sobre o que observa, mas procura descrever e traçar alguns raciocínios que ampliam nossa percepção para os caminhos que estamos tomando.
Quando tomei contato com esta leitura, o que ficou vivo em minhas reflexões, passa pelos seguintes tópicos:
- A terceira fórmula (Conhecimento = Experiências X Sensibilidade) e que estamos vivendo hoje é parte de nossa evolução e de suma importância para o nosso momento, em que nossas vidas está cada vez mais complexa e que já não conseguimos contar somente com a ciência e a religião para pautar nossa jornada. Precisamos de nós mesmos e de nossa percepção e sensibilidade aguçadas;
- Ao nos utilizarmos da terceira fórmula, precisamos estar muito atentos para simplesmente não nos deixarmos levar pelas experiências. É tão comum ouvir pessoas aconselhando outras com frases do tipo "Faça o que o seu coração mandar" sem nem sequer ter desenvolvido uma visão mais ampla da situação, das pessoas envolvidas, do contexto como um todo. Muitas vezes, fazer simplesmente o que nosso coração manda pode nos colocar em um lugar de hedonismo e falta de responsabilidade consigo mesmo e com outros. E este tópico poderia se estender ainda mais, se considerarmos nossa responsabilidade com o mundo, desequilíbrios ecológicos, entre muitas outras coisas;
- As 3 fórmulas têm o seu lugar. Excluir alguma delas pode nos tirar importantes referências. No entanto, acredito que nos aprofundarmos na terceira fórmula pode ser um bom caminho para utilizarmos as outras duas de maneiras mais acertadas ou com maior clareza, incluindo além de nossas percepções racionais também nossos sentimentos e outros sentidos que em geral deixamos relegados a segundo plano.
E, finalmente, colocando essas lentes sobre o mundo dos negócios e especialmente no desenvolvimento de lideranças e times, que é o meu trabalho, vejo a enorme importância do autoconhecimento combinado com uma percepção refinada de nossas interconexões, não só humanas, mas também com a natureza.
Em minha visão, escolher ser líder é escolher um caminho de autoconhecimento, autorresponsabilidade e ampliação constante da sensibilidade. Aprender a relacionar-se com a diversidade, a perceber as implicações sistêmicas de suas atitudes, a liderar pelo exemplo, desenvolver consciência ecológica e ação regenerativa no mundo, a comunicar-se de forma não-violenta. O líder do futuro (que já é presente) tem uma grande missão, que consigo mesmo, mas que se estende na medida do impacto que ele causa ou deseja causar em seu entorno.
E em termos de organizações, fica cada vez mais evidente e emergente o papel social que as organizações têm no mundo e que elas são feitas das decisões de pessoas. Coletivamente, estamos decidindo o futuro da humanidade e de nosso planeta. Propósito, valores, princípios são de extrema importância no cenário atual. Acredito que as organizações têm a capacidade de mudar os rumos de cenários catastróficos que estamos tomando. E pessoas mais sensíveis e perceptivas podem tomar melhores decisões, escolher com que organizações querem trabalhar, a quais querem se afiliar, com quais querem colaborar.
Como está a sua percepção? Como suas experiências têm desenvolvido sua sensibilidade? Como isso se expressa nas suas ações? Você já parou para pensar se os valores que sua organização preconiza são colocados em prática, se tem alinhamento com os seus valores e com o impacto que você quer ter no mundo?
Se você quiser conversar mais sobre este assunto, entre em contato comigo ou com o time da cuidadoria. Será um prazer trocar ideias e experiências. :-)
thianne@cuidadoria.com
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