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Crise de Integridade e a Emergência Climática: O Papel dos Líderes na Transição da Apatia para a Ação

por Henrique Katahira

Nas últimas semanas, testemunhamos uma série de eventos que evidenciam a crise de integridade que permeia nosso mundo. O desastre ambiental em Maceió, a falta de coerência e senso de urgência dos representantes de governos e organizações na COP 28 (Conferência das Nações Unidas sobre o Clima) são algumas evidências de que estamos vivendo uma crise pouco falada que é a mãe de todas as outras: a crise de integridade. Este artigo explora a conexão entre a falta de integridade, a emergência climática e o papel crucial dos líderes na transição da apatia para a ação.

O Desastre Ambiental em Maceió: Um Alerta Ignorado

O afundamento do solo em Maceió mostra que para as mineradoras e governos, lucro e poder vem antes do bem estar e da segurança da população. A exploração de sal-gema iniciou nos anos 70 pela Salgema Indústrias Químicas S/A, que depois passou a se chamar Braskem. A extração de sal-gema, minério utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC, tinha autorização do poder público.

As primeiras rachaduras surgiram em fevereiro de 2015 e no mês seguinte, uma rachadura de 280 metros apareceu na região. Em abril, um tremor de magnitude 2,5 provocou danos irreversíveis aos imóveis. Apesar dos sinais de perigo, foi somente em 2019 que a Braskem resolveu fechar as minas de extração de sal-gema em Maceió.

Mas isso não foi suficiente para mitigar o problema que se agrava a cada mês, culminando na retirada de 60 mil pessoas às pressas de suas casas com o risco iminente de afundamento do solo.

A crise de integridade é evidente tanto em líderes de governos que autorizaram a exploração do minério em uma área urbana quanto em líderes da Braskem que insistiram em explorá-lo em detrimento da segurança da comunidade local. ESG, proteção do meio ambiente responsabilidade social são apenas palavras vazias quando a ação não condiz com o discurso.

COP 28: Apatia e Falta de Coerência:

Na COP 28, observamos governantes enfrentando a emergência climática com uma apatia preocupante. A desconexão entre as discussões diplomáticas e a urgência real dos problemas ambientais reflete uma falta de integridade na liderança global. O senso de urgência necessário para enfrentar a crise climática parece, muitas vezes, ausente nas decisões políticas.

O presidente Lula em um discurso impecável na conferência disse que “não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030”. Segundo ele, todos os crimes ambientais vão ser combatidos “sem trégua”. No mesmo evento, Lula anuncia a adesão do Brasil à Opep+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados), grupo ampliado de nações produtoras de combustíveis fósseis em geral, justamente algo antagônico ao que estava sendo discutido na COP 28.

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Contradição marca a COP 28 — Fonte: Senado Notícias

A Braskem cancelou sua participação na COP 28 onde faria parte de dois painéis no pavilhão brasileiro. Os temas eram “o papel da indústria na economia circular de carbono neutro” e “os impactos da mudança do clima e a necessidade de adaptação da indústria”. O cancelamento foi devido às repercussões do desastre de Maceió e pressão popular.

A Falta de Integridade e Seu Impacto na Liderança:

A crise de integridade tem implicações diretas na liderança. Quando os líderes não conseguem ser coerentes com suas crenças, valores, sentimentos, palavras, pensamentos e ações, perdem confiança e a capacidade de efetuar mudanças significativas.

Isso não afeta somente grandes líderes com senso de ética duvidoso. A falta de integridade afeta todos nós em maior ou menor grau. Quem nunca se comprometeu em entrar numa dieta, por exemplo, e nunca começou? Ou prometeu algo a alguém mas não conseguiu cumprir?

Enquanto houver falta de integridade dentro de cada um de nós, haverá falta de integridade fora. Portanto, como líderes que somos, precisamos parar de culpar os outros pela falta de integridade e começar a olhar para nós mesmos e fazer a tarefa de casa. Como está o meu nível de integridade e coerência interna? Como seria o impacto da minha liderança se eu pudesse agir a partir de um estado de coerência interna com minha palavra e meus valores?

Aprendi num seminário da Landmark que toda vez que alguma área da nossa vida não está funcionando é porque estamos faltando com integridade. Segundo eles, a integridade tem 3 níveis:

  1. Manter seus acordos e fazer o que se espera
  2. Ser fiel aos princípios e valores
  3. Honrar sua palavra como a si mesmo

Há algum acordo que fiz com alguém ou comigo mesmo que estou deixando de cumprir? Ou acordos antigos em que o contexto mudou e precisam ser reacordados? Quais são os impactos desta quebra de acordo?

Quais são os valores que norteiam a sua vida? Você está realmente vivendo seus valores ou por algum motivo está passando por cima deles? Qual o impacto disso na sua vida? Como seria se você pudesse viver plenamente seus valores?

Palavras têm o poder de construir novas realidades ou destruí-las completamente. Você está sendo impecável com suas palavras (não somente as palavras proferidas mas também em pensamento)? Consegue honrar a sua palavra como se ela fosse parte de você?

O Papel do Líder na Transição da Apatia para a Ação

Se você acompanha as notícias sobre a emergência climática e já se sentiu ansiedade, raiva ou culpa, muito provavelmente pode estar sofrendo de ecoansiedade. Segundo a American Psychology Association (APA) ecoansiedade é “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”. Abordei sobre isso no meu último artigo: Emergência Climática, Ecoansiedade e Liderança

Diante desse caos de emergência climática e falta de integridade no mundo é muito fácil cair na apatia que é um estado de raiva estagnada e entrar num estado de culpa ou vitimismo. Uma frase muito interessante que ouvi é que precisamos sair do ativismo e ir para a ativação. Ativismo rima com vitimismo e outros “-ismos” enquanto que ativação rima com ação.

Para sair do ativismo de sofá (aquele em que a pessoa passa o dia no sofá compartilhando notícias sobre a emergência climática e só passa raiva), o primeiro passo é liderar mudanças individuais. Viver uma vida coerente com seus valores, propósito, pensamentos, sentimentos e com sua palavra é o primeiro passo para a mudança. Ao incluir a integridade na sua rotina, áreas da sua vida que não funcionam passarão a ser funcionais e você terá tranquilidade e saúde mental para liderar o futuro que você deseja construir, pensando nos impactos coletivos no planeta e na sociedade.

Faça uma lista de atitudes, comportamentos, projetos ou relacionamentos em que você está faltando com integridade e crie um plano de ação e se comprometa com eles. Com integridade! Você provavelmente terá conversas difíceis e enfrentará mudanças de hábitos mas a recompensa vale muito a pena. No final deste exercício, você terá uma vida muito mais funcional e tranquilidade mental para liderar as mudanças que você gostaria de ver na sua família, empresa ou comunidade.

Onde está o problema está a solução e perceber que não somos tão íntegros como gostaríamos de ser nos coloca como protagonistas e não como vítimas da mãe de todas as crises. Que tal começar a sua jornada de integridade? Se isso faz sentido pra você, comente aí embaixo!