Liderança Evolutiva: do nascimento do herói ao líder anfitrião.
Desde que comecei a estudar desenvolvimento humano, na época em que estava caminhando para assumir papeis de gestão (leia-se aqui liderança), dois textos sempre me mobilizaram e caminham comigo até hoje.
O primeiro deles está na introdução do livro “Eneagrama para Líderes”, do Nicolai Cursino, que fala da escolha de ser líder! O outro, de Margareth Wheatley e Debbie Frieze, traz o título “Liderança na era da complexidade: do herói ao anfitrião”.
Sempre me inspirei por líderes que são mais que bons gestores de equipes, mas por pessoas que despertam o potencial do grupo, a partir do potencial individual, que são dirigidos por valores, que acreditam que conhecimento é para ser partilhado e que o autodesenvolvimento é um compromisso e um processo incessante, para toda a vida!
Neste caminho, que me conduziu do trabalho vinculado a um emprego a empreender, aprendendo a tornar-me líder de mim mesma e completamente responsável por minhas escolhas a cada momento, para então liderar também pessoas, pude perceber fases pelos quais os líderes passam, em seu amadurecimento e na integração da liderança ao seus comportamentos e atitudes.
Um caminho que vai do fazer ao anfitriar, transpondo o desejo de ser um líder interessante, passando a ser então um líder interessado e culminando no líder que coloca-se como parte, que pode “diluir-se” na equipe, como forma de inspiração.
Percebo que essas fases acontecem tanto com líderes vinculados a uma organização como colaborador ou nos empreendedores… Acontece mesmo no desenvolvimento de famílias, nos papeis de pai e mãe e acredito até mesmo, que ocorra com os gurus e líderes espirituais.
Primeira Fase — O Líder Fazedor:
Em geral, a pessoa que é chamada a assumir um papel de liderança, especialmente em uma organização, provavelmente galgou este lugar pela sua competência no trabalho que realizava, naquilo que era boa, na sua especialidade ou talento mais expressado.
Assim, este novo líder permanece por algum tempo identificado com aquilo que ele faz bem e continua fazendo seu papel anterior, aquilo que está acostumado a fazer, atuando como executor, um fazedor.
Há um tempo e um processo para “desapegar” do papel que exercia, confiar, ou mesmo formar outra pessoa para desempenhá-lo, tendo assim, tempo e disponibilidade para desempenhar o novo papel, de líder.
Com os empreendedores, esta fase pode ser ainda mais longa, visto que, em geral, especialmente nas pequenas iniciativas e start-ups, o empreendedor é a pessoa que conhece todo o processo operacional, tem o talento para desempenhar, está muito motivado com o novo projeto e, para completar, provavelmente está economizando ao máximo para investir no que é essencial para a empresa ou iniciativa começar a caminhar.
Segunda Fase — O Líder Herói:
A evolução, ou segunda fase do líder é o herói!
O líder fazedor começa a perceber que, para atingir resultados, o trabalho precisa acontecer através de outras pessoas… Porém, como detentor do conhecimento (ou talvez achando que detenha o conhecimento do que é certo para a empresa ou área), ele verifica quem pode ser útil para ajuda-lo e passa a planejar e direcionar o trabalho da equipe. Ele diz o que deve ser feito.
Comandar e controlar são palavras-chaves nesta fase.
No texto de Wheatley e Frizzie, uma provocação forte é feita ao líder herói e sua equipe:
“Por que continuamos esperando por heróis? Parece que assumimos certas coisas:
- Os líderes têm as respostas. Eles sabem o que fazer.
- As pessoas fazem o que lhes é dito. Elas só têm que receber bons planos e instruções.
- Alto risco exige alto controle. Quando as situações se tornam mais complexas e desafiadoras, o poder precisa ser deslocado para o topo (com líderes que sabem o que fazer).
Essas crenças dão origem aos modelos de comando e controle reverenciados nas organizações e governos em todo o mundo. Aqueles na base da hierarquia se sujeitam à visão maior e à experiência daqueles acima. Líderes prometem nos tirar dessa confusão; e nós voluntariamente entregamos a nossa autonomia individual em troca de segurança”.
Líder herói é uma fase do desenvolvimento do líder, mas tenho certeza de que você se lembra de muitos que pararam por aqui. Deixaram de ser líderes e, infelizmente, tornaram-se chefes.
A ilusão de que é possível controlar tudo, que a sua decisão é a mais acertada, entre outras crenças, não só coloca o líder em uma posição de extremo stress e medo de perder o poder do cargo, como também gera uma equipe infantilizada e dependente, que muitas vezes transita entre “amor e ódio” em relação à liderança.
Terceira Fase — O Líder Mentor:
O líder evolutivo, que está na fase do herói, mas deseja e quer perceber e responder às mudanças do ambiente, do mercado, das pessoas e, especialmente, deseja crescer em direção a um equilíbrio de sua auto-liderança, começa a perceber que várias de suas demandas à equipe voltam “quadradas”, muitas vezes por falta de acompanhamento (o herói não tem tempo pra controlar tudo). Com isso, ele passa a questionar, naturalmente, a atenção que é dada à equipe.
O líder que desenvolve-se nesta fase torna-se mentor, passa a observar a equipe, perceber talentos, necessidades, pontos frágeis… Percebe também o quanto a equipe espera pelo seu conhecimento e por um exemplo a seguir, uma inspiração.
Aqui, o líder começa a ser mentor… Porém, é muito comum cair no “buraco” de ser aquela pessoa que oferece todas as respostas, tentando ter sempre a solução, o exemplo…
Somando a responsabilidade por estratégia, processos, resultados e agora, relações com a equipe, o líder mentor vai perdendo qualidade de vida, fica cada vez mais ansioso e estressado… Cuidar de tudo isso pode ocupar tanto espaço na agenda que não dá tempo para cuidar de si mesmo, de sua saúde, desejos, aprimoramento pessoal, lazer, família, entre tantas outras coisas.
O mentor pode confundir-se pelo excesso de demanda, perdendo a paciência e comunicando-se muitas vezes de forma mais dura, o que pode ferir a confiança galgada até aqui.
Quarta Fase — O Líder Anfitrião:
Perceber que liderança é escolha e não cargo é a grande sacada do líder evolutivo! E, sendo escolha, tem a ver com o que o mobiliza internamente, com a integração de seus valores na ação, com legado, propósito, sentido…
Este é o líder que percebe que a liderança precisa ser compartilhada, situacional e que é necessário cercar-se de profissionais fortes, maduros emocionalmente, com competências que vão além da técnica, mas também de relações, visão de futuro e sustentação da força do grupo.
É aí que o líder assume seu real papel: o de facilitador, de anfitrião, de coach… o líder passa a ser aquele que acredita no potencial da equipe e a desenvolve, que oferece ferramentas para que a equipe torne-se cada vez mais autônoma, que possa tomar decisões calcadas em objetivos, propósitos e resultados comuns - e não só pela visão individual do líder.
Ele sustenta um campo onde a confiança se faz presente e é nutrida a cada momento.
Para isso, para que esta evolução aconteça, ser líder é muito mais do que ganhar um cargo! Ser líder é abandonar o papel a favor do grupo, é perceber as pessoas, a energia do grupo, muito além da expressão profissional.
O líder anfitrião confia no grupo e coloca-se como igual, lidera de forma circular.
Ele reconhece suas competências e pontos frágeis e agrega profissionais que sejam tão bons quanto ele. Investe no adultecimento da equipe.
Compartilha a liderança, mesmo que no crachá, ele seja o líder! Fazendo isso, ele reconhece e dá espaço à equipe, permite que as pessoas com as diferentes competências necessárias para cada projeto tornem-se líderes situacionais, oferecendo a chance de amadurecerem na prática, com a experiência diária.
Ele promove a integralidade da equipe, respeitando o desejo de crescimento individual e valorizando a expressão da totalidade do ser humano, incluindo aqui suas fragilidades e vulnerabilidades, mas permitindo também que os potenciais e talentos sejam vistos integralmente e com diferentes perspectivas para colaborar com a organização.
O líder anfitrião fala de suas próprias fragilidades, medos e coloca-se em posição de vulnerabilidade.
Ele ajuda a equipe a olhar para si mesma, com objetividade, revisitando o propósito a todo momento e dando suporte ao grupo para o “vai lá e faz”, assumindo riscos em conjunto, dando contorno, membrana, mas permitindo que a identidade do grupo seja a identidade de todos e não só a do líder.
E, como todo trabalho de desenvolvimento de competências, a liderança é, antes de tudo, autoliderança!
Para permitir que sua equipe escolha crescer, o líder primeiro faz esta escolha internamente, busca seu crescimento, se fortalece para, então, compartilhar de forma autêntica.
Sendo assim, o líder evolutivo pode estar em qualquer uma das fases do desenvolvimento da liderança, mas ele sabe que não vai parar de crescer e compreende esta jornada como uma aventura, com curiosidade diante dos desafios, confiando no seu processo de amadurecimento e no processo da equipe e da própria organização, galgando cada vez mais uma inteireza e uma serenidade própria de quem realmente se permitiu passar por diferentes experiências, que olhou para suas crenças, dores, perdas, ressignificou valores e o próprio sentido de sua vida e de seu trabalho… e continua aprendendo constantemente.
E você? Escolhe ser líder?! Se respondeu sim, o caminho da liderança evolutiva espera por você… Boa jornada!
Na figura abaixo - criada pelo Henrique Ka da cuidadoria, está o gráfico dos aspectos de engajamento de energia de cada um dos líderes.