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Como a liderança facilitadora pode ajudar a contar novas histórias nas organizações?

Por Patrizia Bittencourt

“Quando deixamos  de nos ver como a máquina que pensávamos que o universo era, somos estimulados a descrever o universo por meio da vida que sabemos que somos.” Margareth Wheatley

Por muito tempo, dentro das organizações, nos comportamos como máquinas, de fato, como peças de uma máquina. Nessas organizações tentamos extinguir a individualidade para honrar a eficiência e a conformidade. O controle e as métricas de desempenho mataram a nossa singularidade e nossa humanidade. 

É evidente que transformações importantes aconteceram. Vencemos a escalabilidade, realizamos inovações grandiosas, aprendemos a usar recursos. Os avanços da humanidade foram enormes, embora ainda pareça que resta muito a fazer, distribuir melhor os recursos, consertar, regenerar. 

Eu me interesso em conhecer as histórias das pessoas, e venho praticando essa escuta para saber como se sentem no trabalho. Faço isso na feira, na academia, na fila da vacina... Outro dia eu conversava com um rapaz que me contou que há 10 anos trabalha como vendedor de lojas de departamentos, e já passou por várias delas. Ele conta que na loja em que está trabalhando no momento, onde foi contratado há dois anos, o contrataram e o “abandonaram”: “Depois que fui contratado  vejo meu chefe praticamente 1 vez a cada 3 meses, eles abandonam a gente, não conversam, apenas cobram metas. A chefia é muito ruim, dá pra ver, as pessoas não ficam mais, vão embora. Eu gosto de ser vendedor, mas desanima.” 

Essa é uma das histórias que estamos contando há centenas de anos. E agora precisamos contar uma nova história.

Margareth Whitley em seu livro magistral Liderança para Tempos de Incerteza chama a atenção para uma ironia que está sendo difícil de engolir: “as organizações foram criadas para coibir a problemática da natureza humana e agora a única coisa que pode salvá-las é o pleno reconhecimento dos vastos recursos que nós, seres humanos, temos”

Nesse momento, nós já estamos aprendendo uns com os outros, sobretudo a ir além das nossas capacidades técnicas. Estamos percebendo que elas já não são mais suficientes. É como se os avanços tecnológicos e a velocidade da comunicação tivessem nos dados a capacidade de conseguirmos fácil e mais rapidamente qualquer competência técnica necessária para darmos conta dos desafios e oportunidades. Já que a tecnologia se tornou o meio acessório e acessível, é como se o que precisássemos agora fosse ir em direção a o que é essencial, a o que importa, de fato. Sem véus, ilusões, mentiras, justificativas. Isso já está acontecendo, mas a visão está embotada, ela não é clara, há um caos que advém dessa transição, ou seja, do esforço necessário de adaptar-se a todas as mudanças.

É cada vez mais perceptível que estamos queremos atender a duas necessidades intrínsecas à natureza humana e que parecia que não nos dávamos conta delas: uma é a necessidade de conexão, as pessoas não querem fazer as coisas sozinhas, elas querem sair da solidão, querem se conectar. A outra é a necessidade de autoexpressão: as pessoas querem ser ouvidas, querem se expressar, querem mostrar as suas ideias, querem dar a sua contribuição genuína, querem sentir-se úteis e criativos. 

Porque todos nós temos uma forma diferente de fazer isso. E é nessa diversidade onde há riqueza e potência. Mas é preciso acreditar nessa força. Ela é fonte de inovação, criatividade, produtividade, sucesso, resultados. E essa diversidade agora se amplia ainda mais, porque ela deixa de ter resultados unicamente da empresa, e são das pessoas também.

Que condições, que estruturas, habilidades, capacidades individuais e coletivas são necessárias para isso acontecer? 

A que lugar diferente de onde estamos essas estruturas, condições, habilidades, capacidades podem nos levar?

Se começarmos nos reconhecendo uns aos outros o que temos de melhor, individual e coletivamente, a experiência pode  nos levar a um novo patamar. Vamos nos relacionar melhor, nos relacionando melhor, nos comunicamos melhor; nos comunicando melhor temos mais clareza do que podemos entregar e dos nossos papeis; tendo mais clareza nos corresponsabilizamos por um propósito comum. Fácil? Utópico? Romântico? Definitivamente não, esse é o tao da autonomia, um caminho, um processo com luzes e sombras que está se desenvolvendo em verdadeiras ilhas de prosperidade e autonomia em forma de sistemas humanos, empresas, comunidades, redes de interesses por todo o mundo. Basta estar de olhos atentos para além do que é dado e posto e já começamos a descobrir histórias incríveis de grupos de pessoas e organizações que estão experimentando novas formas de estar nas organizações, criando as suas próprias estruturas, suas próprias maneiras de se relacionarem, de criarem sentido juntos, de constituírem uma cultura coletiva. 

Cada sistema humano vai criar as suas próprias perguntas de forma diversa. Pois não se trata mais de quais os modelos a seguir, mas da criação de sentido coletivo sobre quais princípios há de serem criados a partir da experiência vivenciada por cada indivíduo e cada coletivo. Cocriar as perguntas continua sendo o nosso desafio. 

Tradicionalmente, nas velhas histórias, os líderes têm mais um papel de supervisão e de tomada de decisão. Há uma decisão feita e as pessoas devem fazer aquilo que foi definido no prazo estipulado chegando a resultados consistentes, vislumbrados estrategicamente antes. Espera-se conformidade e submissão, não há espaço para a autonomia. Esse líder é, muitas vezes, sobrecarregado e solitário, servindo como um tipo de “pit stop”, o time só vai a ele quando precisa de alguma coisa, de uma decisão, de uma solução a algum problema.

 

A nova história que queremos contarfala de um líder facilitador.  

Mas que liderança facilitadora é essa? Quais os seus princípios? 

Vou aqui relacionar a liderança facilitadora inspirada nos 3 princípios básicos das organizações que se auto-organizam, segundo M. Wheatley: identidade, informação e relações. 

A identidade como geradora de sentido individual e coletivo: o líder facilitador sabe que não precisa fazer tudo sozinho. Ele entende que pode estar a serviço do grupo, assim não se sobrecarrega e obtém melhores resultados no tempo. Ele já internalizou que pontos críticos da liderança como manter o engajamento e o protagonismo das pessoas vai além da motivação individual, não é algo dado, mas fruto de um ambiente propício onde as pessoas conseguem se expressar na sua individualidade. Ele está voltado à cocriação em relação a um time, a um sistema, um grupo de pessoas. Nesse papel ele sabe que a identidade é a capacidade geradora de sentido da organização e ele busca o ambiente de confiança necessário para revelar essa identidade. O que é possível fazer agora que estamos juntos? 

A comunicação como meio: O líder facilitador envolve as pessoas nos processos e convida a desenvolver outros processos com elas, processos que fazem mais sentido para elas. A informação sintética e relevante é usada para organizar o trabalho com transparência, dando o senso de ordem. Não se trata de saber usar as plataformas tecnológicas apenas, mas de usar informações como o meio necessário para que a colaboração aconteça. De que informações precisamos para atuarmos juntos? “Há necessidade de mais olhos e ouvidos, de que mais membros da organização ‘in-formem´ os dados disponíveis para que possa ocorrer a auto-organização. Mas é a informação – não planejada, não controlada, abundante, supérflua – que cria as condições para o surgimento de respostas rápidas, eficazes e bem integradas. 

As relações como o tecido da organização: líder facilitador é qualquer pessoa do grupo que queira se desenvolver nesse papel, não tem a ver com um cargo ou posição de uma pessoa dentro de uma organização. O líder facilitador sabe que são as conexões entre as pessoas que traz inteligência para o sistema. Sem incluir as pessoas e sem interações repetidas entre elas, as pessoas se apagam, se isolam e dificilmente o sistema se desenvolve no seu potencial. São as relações que formam o tecido do sistema humano que são as organizações. O medo dá lugar ao encantamento.

Mas o que é a facilitação? Quem é o líder facilitador?

A facilitação pode ser definida como "o ato de tornar simples". O objetivo essencial da facilitação é propor, ao invés de impor, uma “estrutura de interação”. A facilitação está ligada à cocriação dessa “estrutura de interação” que cuide do lugar de cada pessoa em um processo, seja aprendizagem ou trabalho em grupo

O líder facilitador se distingue por seu desejo contínuo de co-construir com os participantes a própria estrutura de interação na qual todos vão se expressar e trabalhar juntos. Ele está preocupado com a inteligência coletiva, mas também com as nuances específicas, como o cuidado com a atmosfera da sessão, para chegar aos propósitos do grupo.

Questionar o próprio significado do que une as pessoas está no cerne da prática do líder facilitador. 

Sua prática ajuda o surgimento de processos fluidos de interação. Isso pode envolver, inclusive, a co-facilitação e os próprios grupos assumindo o controle daquilo que são chamados a experimentar. Ao co-facilitar, cada um eleva e ajuda os outros a se elevarem diante dos obstáculos relacionais que surgem quando se trata de aprender, decidir ou tomar decisões em conjunto.

A facilitação se constitui então: 

  • por todos os processos que são implementados antes, durante e depois de uma reunião para ajudar um grupo a atingir seus objetivos.
  • pelo ato de tornar algo mais fácil, permitindo o surgimento da inteligência coletiva e da colaboração dentro dos grupos. 

Nós dizemos na cuidadoria que o facilitador organiza a colaboração, ou seja, a facilitação significa obter o melhor de grupos e equipes com a ajuda de métodos de trabalho colaborativos, ferramentas de facilitação, treinamento direcionado, jogos e práticas sob a orientação de um facilitador experiente. 

O líder facilitador ajuda as equipes a construir as respostas, (e muito especialmente, perguntas poderosas!) aos seus desafios de:

  • usar métodos e ferramentas de trabalho
  • tomar uma decisão
  • planejar
  • inovar em produtos ou serviços
  • cuidar de problemas a resolver
  • acolher as pessoas para uma conversa.

O facilitador é aquele que facilita: seja um membro da equipe, gerente, instrutor, líder ágil, consultor, facilitador certificado... 

Simplificar uma reunião de planejamento usando um documento compartilhado onde todos possam contribuir e sintetizar ideias tem o seu valor. Criar um ambiente mais leve para conversas difíceis ou a mediação de um conflito é possível. Usar ferramentas simples, perguntas bem pensadas são pontos chave na facilitação. Uma reunião facilitada é mais produtiva e efetiva; uma sessão de planejamento é mais engajadora quando cocriada; um sessão de feedback pode ser uma plataforma de aprendizado; uma conversa desinteressada ou uma reunião estratégica que tenha uma estrutura mínima para acolher as pessoas,  como por exemplo começar com um check-in para abrir espaço para o acolhimento de cada um faz uma enorme diferença. 

Agora percebemos que a liderança facilitadora é a liderança que facilita as relações, a comunicação e a identidade de um sistema humano, desenvolvendo a inteligência do sistema como um todo. O líder facilitador apreende esses princípios a partir do que tem de melhor dentro de si, da sua capacidade de escuta e de empatia, desenhando as condições para uma comunicação transformadora entre as pessoas. 

E assim, contaremos histórias que nos orgulhem nas organizações.