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Autogestão começa pela escuta!

Por: Gabriela Inácio

Ativar a nossa escuta não compreende todo o processo da autogestão, mas é uma das mais importantes habilidades a serem desenvolvidas para que ela dê certo!

A autogestão começa pela vontade de uma pessoa ou um grupo de ouvir mais vozes, de sair da zona do controle hierárquico e partir para uma visão mais ampliada dos processos e dos rumos que se desejam tomar. Nasce da vontade de escutar diferentes opiniões e talvez falar menos enquanto liderança, e depois segue para uma busca efetiva por novos modelos, inspirações e experimentações. Mas o começo de tudo é a vontade genuina de escutar e perceber que na diversidade de vozes existe uma virada de chave poderosa.

Quando se fala em processos colaborativos e autogestionários logo surge o primeiro dilema: sobre as pessoas estarem ou não prontas para atuarem em um sistema mais autônomo e com mais liberdade.

Será que todas as pessoas conseguem ativar a autonomia necessária que a autogestão exige? Será que todas conseguem trabalhar expressando as suas visões e sobretudo sabendo ouvir as vozes das outras pessoas?

No livro Reinventando as Organizações, Laloux relata alguns enganos que cometemos ao nos referirmos a autogestão e para ampliar essa discussão eu gostaria de me aprofundar em um deles: o engano do empoderamento.

Segundo Laloux, organizações em um novo nível de consciência (que atuam pela autogestão) não precisam empoderar o sujeito porque isso já denota que o desenho do sistema não as empodera de início. Já, organizações realmente autogeridas tem o poder distribuído na sua estrutura - “as pessoas não precisam brigar para ter poder, elas simplesmente o possuem”.

Então estamos falando em essência aqui em distribuição de poder. Nós já sabemos como é uma liderança hierárquica com muito poder e sem escuta, e as consequências dela. Mas quais seriam então as consequências de um modelo autogestionário onde todos tem poder distribuído sem que seus membros tivessem ativado ainda a capacidade de uma boa escuta? Já me vem uma palavra na certa para essa questão: impraticável. As pessoas não precisam ser empoderadas, mas elas precisam se desenvolver para lidar com esse novo poder de forma madura.

Ainda sobre o engano do empoderamento, Laloux releva:

Para quem experimenta a autogestão pela primeira vez, a caminhada pode ser um tanto “agridoce” no começo. O poder traz responsabilidade: você não pode mais jogar os problemas, as decisões ásperas ou os anúncios difíceis para o topo da hierarquia (...). Você não pode se refugiar nas acusações, na apatia ou na resignação.

Já existem alguns modelos, acordos, princípios, e direcionamentos que são essenciais para o desenvolvimento da autogestão, alguns escolhem o caminho de aprender modelos prontos como é o exemplo da Sociocracia e algumas organizações optam por fazer sua própria construção de autogestão. No entanto, nós acreditamos que aplicação de qualquer modelo autogestionário requer também o desenvolvimento de pessoas, funcionando como uma retroalimentação, onde o próprio sistema ajuda no desenvolvimento das pessoas, e o desenvolvimento das pessoas contribui para evolução do sistema. Por isso eu gostaria de focar um pouco nesse “agri” da frase de Laloux, que muitos que já desbravaram a autogestão e a colaboração devem ter experimentado, aquele amargor que acompanha tantas conquistas doces da jornada pela autogestão.

Meu objetivo aqui é refletir sobre esses possíveis tropeços que podemos cair se somente aplicarmos um modelo autogestionário sem tanto ênfase no desenvolvimento das pessoas, é possível, mas é um risco constante das pessoas ativarem comportamentos viciados de modelos antigos. O ego tão fortalecido no modelo hierárquico continua aparecendo, e aquelas vozes ainda carregadas de muita acusação, julgamentos e justificativas também. Pessoas que ainda não ativaram a capacidade de escuta como ação ativa terão dificuldade de trabalhar de forma autogerida, e é por isso que eu digo que começa por aí.

Como assim?
Identificamos por muito tempo a escuta como uma ação completamente passiva, e a fala como uma “ação ativa”. Estamos viciados nessa forma de funcionamento sem perceber. Acionar uma escuta atenta deslocando ela para uma ação ativa, é um desenvolvimento da vida inteira, mas também muito prático que pode começar hoje. Enquanto as pessoas não tiverem trazido para a consciência a necessidade de terem uma escuta ativa, elas irão tropeçar frequentemente em pontos chaves da colaboração e da autogestão, podendo tornar o processo cansativo e tumultuado.

Por isso que eu afirmo, a escuta não é tudo, mas na minha experiência tem sido a habilidade mais importante que precisa ser ativada por primeiro para dar algum ponto de partida para autogestão e processos colaborativos. Você não precisa ser escutador experiente com PhD em escuta ativa, mas hoje percebo que é importante o mínimo de entendimento da sua importância, para que por mais que você tropece no ego ou na falta de escuta, você se perceba nesse movimento e busca por evolução. E novamente, não estou falando que para dar certo é necessário que todos já sejam experts em escutar, os tropeços fazem parte da jornada e sempre farão.

Quando eu falo de escuta ativa me refiro a auto-escuta e escuta dos outros. Quando coloco verdadeira atenção na minha escuta interna, consigo com mais facilidade transmitir minhas percepções sem exagerar em justificativas ou alimentando meu ego. E quando escuto o outro de forma atenta, absorvo com mais qualidade todas as decisões que estão sendo colocadas na mesa. Estou atento às atividades que estão sendo realizadas pelos meus pares e as dificuldades que eles podem estar enfrentando.

Autogestão é quando você tem liberdade de expressão e ação em afinação com um grupo. Quanto maior a capacidade de escuta de todos, melhor será utilizado o poder que a autogestão disponibiliza, com mais sintona com o grupo e sem disvirtuação da liberdade fornecida apara atendimento de interesses pessoais.

No texto Escuta Efetiva e Afetiva exploramos mais sobre isso trazendo os níveis de escuta da Teoria U. Perceba se nos grupos que você tem tentada aplicar autogestão e uma lógica colaborativa o que não está faltando é desenvolver mais a escuta dos membros, quem sabe esse é um caminho para separar um tempo de dedicação com todos.

Na comunidade cuidadoria temos essa prática constante e os nossos próximos encontros serão sobre autogestão, venha fazer parte: cuidadoria.com/comunidade